A Vida de Quem Decola: A decisão

24 dezembro, 2019

Quando eu era pequena, apontar além do alto do horizonte para qualquer coisa que ousasse voar era meu maior passatempo. Sejam pássaros, aviões, borboletas e até mesmo pipas pairando na imensidão do céu azul. A minha versão petit de 6 anos pularia no colo dos meus pais, com um sorriso no rosto e os dedos mostrando lá no alto esse objeto/animal/máquina voadora majestosa planando livre, desafiando os céus e ousando abandonar o chão para viver a aventura que é decolar.

Mas ao crescer, descobri que esse processo é mais difícil do que apenas correr livre em um campo aberto, colocar os braços estendidos em paralelo com os ombros e fechar os olhos, ao sentir o vento acelerado tocar o rosto e circular em volta da grama, a imaginação em trabalho ao criar essas imagens aladas onde meus pés deixam o chão para abaná-los no alto, quando o mundo fica pequeno e apenas o voo é o que existe. Este jogo que brincava depois de observar esses seres esvoaçantes que se alçam ao mundo sem raízes, apenas este ímpeto natural de serem livres. Este sentimento existe entre os homens, sem dúvida, mas diferente dos pássaros, nossas asas moram nas escolhas que fazemos para nossas vidas e as decisões que desejamos tomar — estas que mudam o curso de onde o bonde da vida dirige—e nos abrigam a sacrificar algumas coisas por esse sonho de se lançar em aventuras distintas e únicas, onde o conforto do lar muda de conceito; até mesmo, a palavra “lar” é mais dolorida e confusa de ser explicada.

Eventualmente, escolhemos como queremos viver. Eu escolhi carregar minha mala usada para lá e para cá, ser tomada por esse sentimento renovado a cada manhã de cair no mundo e descobrir as maravilhas que me esperam a cada esquina e dançar ao ritmo frenético que meu próprio coração pulsa. Essa vida de viajante de quem é meio nômade: vai pulando de lugar em lugar, sem se estabilizar demais porque a aventura chama e temos que segui-la. Se não seguimos, essa voz torna-se mais alta e é mais difícil de a calar; é como se traíssemos nossa própria alma e a nós mesmos. Então, sempre decolamos mais uma vez, com mala na mão e um coração sonhador que nos obriga a nos desafiar.
Cada dia que vivo aqui do lado de fora, é mais difícil me fechar em um só lugar. Viver assim é animador e o vigor de tentar coisas novas é meu propulsor: é o que me faz quem eu sou, é o que me faz querer ir me descobrir mais. Mas ah, essa vida também sacrifica tanto! É viver em família por ligação de vídeo, é estar longe e querer estar perto para ver a vida das pessoas que eu amo acontecer.

É querer ser parte desse grupo e ao mesmo tempo, partir. É ser a ovelha negra que abandonou o bando, é a desertora que abandonou sua terra natal para cair no mundo, é aquela que sonha demais e tá ficando meio maluca, que não cria raízes e que vai sentir falta da estabilidade em alguns anos. É aquela que só visita a família em feriados, a que sumiu e as pessoas só ficam sabendo de vez em quando. É a menina que andava sempre com a cabeça nas nuvens e resolveu estar entre elas de uma vez,  pousando de vez em quando em lugares inusitados.  É a que foi e voltou, e já tá querendo partir de novo! É a menina que não sossega em um lugar só e precisa colocar os pés no chão. É tudo isso que as pessoas falam, é tudo isso que as vozes internas gritam no nosso interior.

Mas, ei, ninguém disse que seria fácil. Muito pelo contrário, as pessoas sempre te dizem para “ficar segura” ou que estão “rezando por você” ao invés de desejar boa sorte nesse seu novo desafio, em busca a todo momento de algo que as faça provar a si mesmas que essa vida que você escolheu, por ser diferente, é errada em algum sentido ou possui falhas. Mas se eu te contar que todas as decisões trazem consequências sacrificadoras, você acredita? A vida de quem decide não partir também é quebrada de alguma maneira, também abre mão de diversas oportunidades. Exatamente como a vida de quem anda na estrada.

É uma decisão. Tomá-la pode ser contraditória em algum ponto, mas hoje sei que meu coração a tomou muito antes que eu pudesse aceita-la. Entre os corações que sonham, meu caminho é a aventura que me espera do lado de fora, é descobrindo as maravilhas que esse mundo guarda. Estou entre as pessoas que vagam, mas ei! Já me disseram que nem todos os que vagam estão perdidos. Perdida eu estaria se eu ficasse no mesmo lugar, essas viagens são sempre em busca de muitas coisas mas, entre elas, de mim mesma. Há tanto para ser desvendado e eu mal posso esperar para mergulhar nesse meu futuro de voos.

Hoje, me vejo como esses pequenos seres da minha infância aos quais eu apontava e admirava no ar. Entre todas as minhas opções de vida, escolhi aquela de quem decola. Cada dia que alço voo, é uma nova descoberta do mesmo ensinamento: como é magnífico ser livre.

 

Ana Laura Marins

 

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